IMBALANÇA, IMBALANÇA, IMBALANCÁ...
Este Projeto Cultural, vivenciado desde 2006 na Rede Municipal respalda-se em fundamentos e princípios que buscam a formação cidadã dos alunos, ao trazer para interior da escola temas como: Meio Ambiente, Relações Étnicas ou raciais, História local, através dos conteúdos escolares priorizar a formação do homem, uma vez que estamos sempre refletindo sobre os valores humanos e revisitando a diversidade da cultura do local. Afinal, identidade se constrói valorizando a cultura local. E nesse bojo trago ao contexto dos direitos humanos, uma reflexão minuciosa da poética de ZéDantas - nosso patrimônio cultural - importante elemento para construção social da comunidade de Carnaíba.
As composições de ZéDantas, têm uma essência sociopolítica, quando em algumas músicas reflete sobre a questão política da Seca no Sertão, com música de Vozes da Seca, com profundo conhecimento e respeito pela sua cultura ele leva o Brasil a discutir uma questão política muito séria na época, que era indústria da Seca no Nordeste. O médico-poeta, especialmente nesta composição, usa a caneta como arma, a lembrança de suas origens como tema inspirador, que ora nos remete a uma reflexão política de nossa realidade e ora brinca com as rimas e palavras e é capaz de fazer Siri jogar bola, e conta história interessante como a do “jumento que tomou trinta Coca-Cola e deu um arroto de lascar”. Composições que deram margens a crítica televisiva da época, consideradas como besteira muito grande, siri não joga bola e simplesmente que a história do jumento era e indecorosa. Este crítico teve sua resposta do nosso compositor, mas como alguns sulistas, expressaram na época, não só preconceito pela cultura e história do Sertão, não seria esta música o primeiro texto a personalizar animais. De fato, siri não pode jogar bola, mas no imaginário literário sim, animais, podem falar nas fábulas tradicionais sem agredir aos ouvidos da “cultura” impostamente aceita. O preconceito a forma impressionista de ZeDantas expor os costumes sertanejos com sua “grotesca linguagem, não foi o pior, lamentável foi o desconhecimento desse “intelectual” que não sabia as origens de nossas tradições populares.
A linguagem regional utilizada nas composições do poeta certamente incomodava aos defensores do formalismo da língua, daí o questionamento de alguns termos nossos por ele utilizados. A variedade linguística não era valorizada, e sim discriminada socialmente, um equívoco não só cultural, mas político, porque fere os sujeitos históricos subjacentes a esta linguagem. No caso os Sertanejos. E o próprio Zedantas ressalta em seu artigo ao rebater essa crítica televisiva da época...”o que devemos fazer é ensinar ao nosso povo amar as nossas cantigas”. E conclui o seu artigo parafraseando Berilo Neves-“um povo sem tradição é um povo fadado a desaparecer”. Comungamos do mesmo ideal ao elegermos como meta para educação do município desde o ano de 2006 a vivência do projeto cultural cuja a essência revisitar a cultura local de forma reflexiva como construto histórico.
E este trabalho com o projeto cultural nos leva a desmitificar que a cultura popular é apenas “folclore”, nos remete a uma reflexão dessa cultura como uma ciência, hoje pesquisada e trabalhada nas universidades. E nossa região é rica em produção literária em todos os campos das linguagens como a música, dança, escrita, pintura, etc. E por meio dessa vasta produção disseminada por desbravadores, como o parceiro de ZeDantas, Luiz Gonzaga, que com sua bela voz “nasalizada de tenor caboclo dar vida as composições, que “siri jogando bola” passou a ser uma personificação comum ao nosso Universo Cultural e conhecido no Brasil.
Mas ZeDantas, também usava com muita propriedade em suas composições a paisagem do Sertão de forma poética e lírica para destacar a beleza do Sertão, as aves como Sabiá, Acauã, Asa Branca, espécies que vivem no Sertão, imitando o sertanejo, (asa branca) no rigor da seca a ave imigra para outras regiões, retornando logo nas primeiras trovoadas. Se não fosse Flávio Cavalcante apático a nossa cultura não teria se escandalizado com a música Cangote Cheiroso, denominada pelo “crítico” de tremendamente imoral destacando como tal o verso “cochilando e dando chêro no cangote de Maria” e comentou ainda que a música “As Quatro Imbigadas” era indecente. Este crítico prendeu-se ao purismo elitista da língua, perdendo a oportunidade de conhecer a vasta composição de Zedantas que misturada à reflexão do seu conhecimento acadêmico expressava um profundo valor as suas origens, por meio da linguagem coloquial e regional a cultura do Sertão. Mesmo vivendo na “Cidade Maravilhosa” não perdeu a identidade, suas raízes, por isso, imortalizado pela literatura deixada como legado.
Este ano a música tema escolhida foi IMBALANÇA, um baião produzido em parceria com Luiz Gonzaga e lançado no ano 1952. A linguagem regional é usada de forma intencional em palavras típicas como óia, foia, ao iniciar pelo título imbalança cujo sentido de embalar, balançar. Usou o prefixo im+balança que dar um sentido introspectivo da ação, como que este é um conhecimento empírico, exclusivo daqueles que aqui nascem. De fora não o terão como ele, os elementos da natureza usados como praia, coqueiro, vento, jangada, mar são substantivos que transvertidos de lirismo caracterizam a cidade do Rio de Janeiro, onde o eu-lírico está bem distante do sertão. Ele se dirige a uma pessoa que aparece no verso “pra você aguentar meu rojão é preciso saber requebrar...” O pronome usado, VOCÊ, demonstra que a pessoa desafiada é conhecida, próxima dele, provavelmente, não é do sertão, certamente não saiba dançar o baião, pois não tem o mesmo ritmo do autor. Também demonstra apropriação do vocabulário do Rio “molejo” que é usado pelo autor como sinônimo de imbalança, requebra, uma fusão de vocábulos... Prosódia – como afirma Caetano em sua música Língua... “eu quero me deliciar a criar/ confusões de prosódias/ e uma profusão de paródia... minha Pátria, minha língua”... Zedantas usa a língua como essência lingüística seu mundo intensifica o desafio ao parceiro no seguinte verso: “Você tem que viver no Sertão/pra na rede aprender embalar/ bater no pilão/na peneira aprender a peneirar. São ações vivenciadas somente pelos sertanejos, ressaltam os costumes locais.
Todas essas ações são sugestões para que se aprenda a dançar realmente um baião – como nas suas origens. Esta composição em especial, o autor apresenta elementos de seus dois habitat vividos, explicitando a influência da cultura, embora haja uma supervalorização da cultura do sertão principalmente: o ritmo baião. O compositor demonstra-se superior neste quesito “pra você aguentar meu rojão” “É preciso saber requebrar”. Nesta passagem fica claro, que todos os versos da 2ª e terceira estrofes reforçam essa idéia. É onde aparece o outro personagem uma vez que o autor está implícito no conteúdo da música. A primeira estrofe é toda comparativa com o refrão. É uma analogia feita por Zedantas, movimentos feitos naturalmente especiais e delicados que lembram para o autor o baião - sua especialidade - e quis ressaltar que é uma característica particular e peculiar de quem vive no Sertão. E o seu companheiro certamente não faria tão bem porque não tem essas qualidades de raiz.
Toda essa ousadia do linguajar regional usado por Zedantas provocou críticas, também lhe rendeu alguns elogios de um crítico literário em sua defesa quando foi denominado de o Bocage Brasileiro da Música. Especificamente nesta composição Imbalança, além da linguagem, a composição da palavra é inovadora, fazendo-nos lembrar Guimarães Rosa, pra ele a palavra é sempre um feixe de significações, além de referente semântico, o signo estético e portador dos sons e de formas desvendam as relações intimas entre o significante e o significado. Essa força virtual da linguagem que Guimarães Rosa apresenta o nosso compositor também utiliza.
As ancas balançam... [ ] estralos de grampos, estrondos de baques, e o berro queixoso do gado Junqueira, de chifres imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência dos pastos, de lá do meu sertão (Tempos de Sagarana) Guimarães Rosa.
Se buscarmos minuciosamente o texto - música, encontramos influência poética de autores de nossa literatura, especialmente aqueles que exaltam a sua cultura, o amor, a mulher e a poesia engajada. O poeta-cantor além de bom médico foi meticuloso e engenhoso com o vocabulário culto e também formal. Mas, sobretudo poético usando todo recurso estilístico disposto na literatura para intencionalmente disseminar suas ideias. O que demonstra um amor pelo que fazia, porque até quando denuncia, o lirismo está presente.
Professores, alunos aproveitem a reflexão e descubram o que não vimos sobre a poesia de Zedantas, e vão mais além, sejam os poetas, descubram a beleza que é escrever.
Bom trabalho...
Vamos descobrir o escritor de cada um.
Josefa Rita Lima